quarta-feira, 24 de abril de 2024

Jesus, homem livre, e o 25 de Abril


Neste dia, há 50 anos, muitos sonhavam com o final da guerra colonial, a queda da ditadura e a construção de um Portugal melhor. Alguns arregaçaram as mangas e acreditaram que na madrugada seguinte seria possível derrubar um regime que já vigorava há demasiado tempo, 48 anos, e instaurar a liberdade.

Foi um regime que procurou amordaçar o povo com a conivência da hierarquia portuguesa da Igreja Católica. Não de toda: alguns, como D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, nunca o abençoaram e sempre o criticaram. Foram também muitos os católicos que sempre se opuseram à ditadura, por fidelidade a Jesus Cristo, aquele que foi verdadeiramente livre em relação a qualquer instituição, fosse ela religiosa ou política. Ele veio para libertar da discriminação, da doença, do pecado e, até, da morte.

Meio século depois, há quem neste país volte a aspirar por um líder forte, que não estivesse dependente de eleições ou do parlamento. Dizem as sondagens que são um terço dos portugueses. Acham mesmo que Portugal seria melhor com um novo Salazar!... Não há qualquer sondagem do género que o comprove, mas é natural que cerca de um terço dos católicos pense o mesmo e acredite que esse regime seria benéfico para a sua igreja.

Um regime autoritário em Portugal recolheria, como acontece noutros países, um maior apoio, também económico, de outras confissões religiosas. Desenganem-se por isso os católicos reacionários: hoje um novo Salazar não procurará a bênção da Igreja Católica, mas de outras religiões ou igrejas com maior poder económico e maiores propensões totalitárias do que a católica.

Seja qual for o regime autoritário que se queira implantar em Portugal, ele deverá contar com a oposição dos verdadeiros seguidores de Jesus Cristo. E estes não deverão ter pudor em proclamar: 25 de Abril, sempre!

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Rezar também pelas vocações cívicas

Há 60 anos Paulo VI convidou os fiéis a rezarem pelas vocações religiosas e ao sacerdócio, no domingo em que a liturgia apresenta Jesus como o Bom Pastor. É o quarto Domingo Pascal, a que se deu o nome de “Dia Mundial de Oração pelas Vocações”. Este ano celebra-se no próximo domingo e a Igreja vive uma semana dedicada ao tema. Os papas passaram a escrever uma mensagem para assinalar este dia.

Ao longo destes 60 anos, a oração pelas vocações foi ampliando o seu âmbito. João Paulo II incluiu o chamamento “à vida familiar”. Francisco, na mensagem de 2019, passou a considerar as “vocações ligadas ao mundo do trabalho e das profissões” que se comprometem “no campo da caridade e da solidariedade, nas responsabilidades sociais e políticas”.

Na mensagem deste ano, o Papa conjuga a felicidade com a realização pessoal que só se alcança quando se descobre a própria vocação. “A nossa vida realiza-se e torna-se plena quando descobrimos quem somos, as qualidades que temos e o campo onde é possível pô-las a render”, escreve o Papa. Depois recorda todos aqueles “que abraçaram uma vocação que envolve toda a sua vida”.

O Papa coloca – logo a seguir aos chamados à vida conjugal e antes das pessoas consagradas – “todos os homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao bem comum”. Refere-se aos que, pelo trabalho, pela dedicação à política ou à solidariedade “procuram construir um mundo melhor”. Todos são “chamados a semear a esperança e a construir a paz” – o título da mensagem.

A Igreja precisa muito de sacerdotes e de religiosos. Porém, o mundo precisa ainda mais de profissionais que assumam o seu trabalho por vocação. Políticos e atores sociais que ponham a render os seus talentos ao serviço do outro. Rezemos pelas vocações consagradas, mas também pelos que são chamados a dedicarem-se ao bem comum.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Não basta manifestarem-se pela vida


Há cinco anos que a então Congregação para a Doutrina da Fé, agora Dicastério, decidiu redigir um texto sobre o caráter central e inviolável da dignidade humana. Anteontem, foi divulgada a redação final do documento “Dignitas infinita”.

Como habitualmente nos documentos da Igreja Católica, faz-se um percurso, ainda que breve, do caminho trilhado, desde as perspetivas bíblicas, passando pelo desenvolvimento do pensamento cristão sobre a dignidade humana, para definir como a Igreja hoje a propõe e defende. O documento cita o Papa Francisco e recorda que “a dignidade de cada ser humano tem um caráter intrínseco e vale desde o momento da sua conceção até a sua morte natural”.

É esta perspetiva da dignidade humana e esta conceção da vida que leva a Igreja a empenhar-se na defesa da vida e na condenação do aborto e da eutanásia. Como refere o documento, “não existem condições, na ausência das quais a vida humana deixe de ser digna e possa, por isso, ser suprimida”.

Não é de estranhar, portanto, que os católicos promovam “Caminhadas pela Vida”, como as que aconteceram, no passado sábado, em doze cidades portuguesas. Nem que os bispos apelem à participação dos fiéis nessas iniciativas.

Essas não são, porém, as únicas violações graves referidas pela “Dignitas infinita”. O documento revela que, no final de 2023, o Papa solicitou que fossem colocados em evidência afrontas à dignidade como “o drama da pobreza, a situação dos migrantes, as violências contra as mulheres, o tráfico de pessoas, a guerra e outras”. Foram incluídas.

Em sintonia com o Papa, os bispos devem também movimentar os seus diocesanos para combater estes ataques à dignidade humana. Discursos xenófobos e racistas, ou as manifestações contra imigrantes, são razões igualmente graves para mobilizar os fiéis na sua condenação.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Verónica e os insultos nas redes sociais

Pela primeira vez o Papa Francisco escreveu as meditações da Via-Sacra, que se reza habitualmente na Sexta-feira Santa no Coliseu de Roma. Foi também a primeira vez que o Papa não esteve presente, nestes 11 anos de Pontificado, por motivos de saúde.

Não foram estas, contudo, as únicas originalidades deste tradicional exercício da piedade católica. Na Via-Sacra acompanham-se os passos de Jesus desde a condenação perante Pôncio Pilatos até à sua sepultura, em 14 Estações ou Passos, que se foram fixando ao longo dos séculos.

Francisco seguiu esse elenco tradicional, embora introduzindo pequenas nuances, tanto na designação como nas ocorrências que são propostos à meditação dos fiéis. No texto do Papa há um pormenor surpreendente que poderá ter passado despercebido a muitos dos que assistiram à Via-Sacra na sexta-feira, quer presencialmente, quer através dos meios de comunicação social.

A propósito do quadro de Verónica, a mulher que limpa o rosto ensanguentado de Jesus, o Papa sublinhou o contraste entre uma mulher que age e a multidão que insulta Jesus. “O mesmo acontece hoje, Senhor, e nem sequer é preciso um cortejo macabro: basta um teclado para insultar e publicar sentenças”, escreve o Papa.

Infelizmente, são demasiados os exemplos de católicos que insultam outros católicos na Internet só porque têm opiniões e posições diferentes das suas. São muitos os que não compreendem que, como tem ensinado o Papa Francisco, a Igreja não é uma “unidade monolítica” mas antes um “maravilhoso poliedro”.

Mudam-se os tempos, mudam-se os contextos – mas permanecem os mesmos comportamentos desumanos e execráveis. Até muitos dos que se emocionam ao rezar a Via-Sacra, e se escandalizam com os insultos da multidão a Jesus, não se apercebem que adotam eles próprios comportamentos similares nas redes sociais.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Desafio aos novos ministros

Amanhã vai ser apresentado ao Presidente da República o novo Governo, o qual será empossado em circunstâncias políticas e sociais muito particulares. Exige-se aos novos governantes capacidade de diálogo, e de gerar sinergias, para a promoção do bem comum.

Em algumas funções sociais do Estado, têm sido as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS’s), entre as quais se incluem muitas da Igreja Católica, a garantirem várias das respostas sociais que competem ao Estado. São os casos do apoio à infância e juventude, aos idosos e aos mais desfavorecidos.

Os novos governantes não deverão olhar para as IPSS’s como concorrentes do Estado, mas como suas coadjuvantes. Devem, nomeadamente os ministros da Segurança Social e da Saúde, aproveitar as suas virtualidades, promover boas práticas, estar atentos às suas carências e acorrer às suas necessidades. Só assim estas poderão continuar a prestar um bom serviço às populações, sobretudo àquelas que o Estado tem mais dificuldade em apoiar – e com as quais teria de gastar muito mais se não fossem as IPSS’s...

Há outras áreas e contextos que também exigem atenção dos novos ministros, nomeadamente os da Educação e da Justiça, áreas em que as IPSS’s poderiam desenvolver novas respostas sociais e fazer o que o Estado não consegue. Por exemplo, a criação de estruturas de acompanhamento de alunos com baixo rendimento provenientes de contextos sociais e familiares complexos, como acontece em escolas dos subúrbios do Porto e, sobretudo, de Lisboa, ou nas zonas do interior.

A Igreja também já demonstrou competência para a criação de novas respostas sociais para a prevenção da criminalidade, a reinserção social dos reclusos e o acompanhamento dos libertos para que não voltem a reincidir.

A resolução de problemas complexos requer a colaboração de todos!